Marcha da indignação

Hoje foram


80 mil? …100 mil?
Que importa?
Se lá estivessem todos os que o desejavam mas não puderam, eram certamente quase o dobro.

Eram mais de metade (talvez dois terços) de toda uma classe que esteve na manifestação exprimindo o seu total desacordo com o que se está a fazer no ensino. Contrariamente ao que se pretende fazer passar, não foi contra a avaliação dos professores. As razões que estiveram na base deste descontentamento são basicamente as seguintes:
1- Contra a forma e os prazos com que se pretende implementar o novo modelo de avaliação;
2- Contra o novo modelo de gestão dos estabelecimentos de ensino e dos agrupamentos de escolas;
3- Contra a forma como a classe se sente “afogada” por vagas sucessivas de legislação que saiu em dois ou três meses (alterações à carreira docente, novo regime de avaliação, novo modelo de gestão, estatuto do aluno, ….) e que se pretende que seja implementada de imediato, nalguns casos com efeitos retroactivos, sem que as pessoas tenham sequer tempo para interiorizar todos esses documentos. Os professores, neste momento, estão convertidos em tecnocratas, passam o seu tempo quase todo em actividades burocráticas, reuniões, papeis… e as aulas? A formação? A preparação de aulas? A correcção de trabalhos e testes? Os alunos? Esses ficam para o fim pois neste momento há é que preparar as grelhas (grelhados estamos nós) pois é assim que nos impõem;
4- Contra a desconsideração com que tem sido tratada pelo governo uma vez que a sua opinião não tem sido tida em conta para nada;
5- Contra a falta de autoridade, de condições e de tantas outras coisas que estão mal no nosso ensino;


Uma coisa é certa: os professores são os primeiros a estar de acordo e a considerarem que é necessária uma avaliação da carreira docente. Este é um ponto assente. Têm é que existir condições para essa avaliação seja correcta, justa e muito bem ponderada e concertada.
É humanamente impossível preparar uma avaliação cientificamente fundamentada que seja simultaneamente imparcial, integra e eficaz nos prazos dados. Só quem nunca fez a avaliação de docentes é que pode pensar o contrário. Caso assim não fosse já os grandes pedagogos teriam produzido todas as teorias e materiais necessários. Não foi o próprio Conselho Cientifico nomeado pelo Ministério o primeiro a atrasar-se?

Senhores governantes, por favor parem para pensar. Vejam que esta manifestação não foi uma manifestação de sindicatos ou de partidos. Não. Foi a manifestação, maioritária de toda uma classe que vai ter de levar a cabo, implementar, todas essas reformas. Ainda não é tarde para se alcançarem consensos e juntar sinergias.

(foto - agência lusa)

1 comentário:

Anónimo disse...

Cláudia - artigos de opinião:

Avaliação
09.03.2008, António Barreto Retrato da semana, Público
Mais do que dos sindicatos ou dos professores, a ministra Maria de Lurdes Rodrigues é vítima da 5 de Outubro
Não é possível apoiar a ministra por inteiro, nem criticá-la por atacado. O seu legado de medidas, ideias e objectivos tem de tudo, do muito bom (a consolidação do cargo de director de escola, os contratos de três anos a favor de um princípio de estabilidade dos professores), ao muito mau (o sistema de avaliação, o regime de faltas dos alunos).
Boas ideias, simples e necessárias, como fechar as escolas mais tarde e criar aulas de substituição, coexistem com propostas absurdas, como a de fazer intervir os pais na avaliação dos docentes ou de contar as notas dos alunos para a folha de serviços do professor. Como há também omissões dignas de recordação, em particular a aparente recusa de proceder, dentro da legislatura, à entrega das escolas às comunidades locais, às autarquias e às comunidades educativas (professores, pais e autarcas).
A persistência de um modelo de educação integrada, unificada e centralizada é não só a génese de inúmeras deficiências actuais, como também a razão de ser da dificuldade ou da impossibilidade de levar a cabo as reformas úteis e necessárias. É também a causa da transformação dos problemas de educação em guerra social nacional.

O elemento essencial das reformas de Maria de Lurdes Rodrigues consistiu, até hoje, na alteração da relação de forças dentro da educação. Em termos simples, retirou aos sindicatos uma parcela importante do poder que, sob várias formas, detinham até agora. Esta é a sua força. Nada seria possível fazer sem a remoção prévia da tenaz sindical que, sob múltiplas formas, mantinha a educação e o ministério como reféns.
Mas essa reforma, mais propriamente política, seria ineficaz e apenas adjectiva se não fosse completada por alterações importantes e razoáveis nas questões substantivas: a gestão do sistema, o modelo de organização, a definição de novos conteúdos curriculares e dos manuais, entre outras. Esta a sua fraqueza.
O que se passa nas ruas do país tem, evidentemente, conotações políticas. Não podia deixar de ser. A educação é um tema político de primeira importância. Aqueles que, no Governo e alhures, denunciam a ingerência de "políticos" e "partidos" avançam um argumento gasto e míope. Mas também é verdade que a contestação ultrapassou largamente as fronteiras da política pura e do sindicalismo, para se tornar também profissional e social. O Governo já percebeu isso, mas persiste em negar a evidência, na esperança de comover os pais, em particular, e a "maioria silenciosa", em geral. Daí o ter transformado os professores, todos os professores, em vilões. A atitude não é inédita e não merece que com ela se perca tempo.

O movimento dos professores tem muitos objectivos: o director da escola, o conceito de autonomia, o estatuto da carreira docente e outros. Além da parcela de poder sindical. Acontece que os professores têm algumas razões. E a ministra também. O facto de se ter declarado guerra entre aqueles e esta é infeliz, pois impede detectar as razões que assistem uns e outra. Infelizmente, é assim a luta das classes e das instituições. É frequente perder-se a semente no meio do joio.
A este propósito, sublinhe-se um erro decisivo na estratégia do Governo, não se sabe se da autoria da ministra, mulher tranquila, se da responsabilidade do primeiro-ministro, homem crispado. A ausência de vontade experimental, ou de estratégia empírica, esteve evidente desde o início. O Governo queria organizar uma cruzada, fazer tudo ou nada, agir por enxurrada e realizar tudo ao mesmo tempo, em todo o sítio e para toda a gente. Com este método, os erros tomam uma dimensão colossal e torna-se impossível corrigir o que quer que seja.
O sistema de avaliação que a ministra pretende impor e que os sindicatos recusam é apenas um dos temas de contestação. Mas é o que tem surgido com mais evidência. A coberto de uma virtude indiscutível, a ideia de avaliação não é recusada por ninguém. É de bom-tom dizer que se é "a favor da avaliação, mas contra esta avaliação". Para todos, ou quase, é uma espécie de santo-e-senha de honorabilidade. Acontece que não é. A palavra, o conceito, o mito e o tique nasceram há vinte ou trinta anos. Em Portugal e na Europa. Criado por burocratas e tecnocratas, os defensores da avaliação acreditam que um sistema destes promove a boa educação, melhora o ensino, castiga os maus profissionais, detecta os talentos, permite corrigir erros e combate o desperdício. Na verdade, o sistema e a sua ideologia, que infestaram o Ministério da Educação, são próprios de uma educação centralizada, integrada e uniforme. Na impossibilidade humana de "gerir" milhares de escolas e centenas de milhares de professores, os esclarecidos especialistas construíram uma teoria "científica" e um método "objectivo" com a finalidade de medir desempenhos e apurar a qualidade dos profissionais. Daí os patéticos esquemas, gráficos e grelhas com os quais se pretende humilhar, controlar, medir, poupar recursos, ocupar os professores e tornar a vida de toda a gente num inferno. O que na verdade se passa é que este sistema implica a abdicação de princípios fundamentais, como sejam os da autoridade da direcção, a responsabilidade do director e dos dirigentes e a autonomia da escola. O sistema de avaliação é a dissolução da autoridade e da hierarquia, assim como um obstáculo ao trabalho em equipa e ao diálogo entre profissionais. É um programa de desumanização da escola e da profissão docente. Este sistema burocrático é incapaz de avaliar a qualidade das pessoas e de perceber o que os professores realmente fazem. É uma cortina de fumo atrás da qual se escondem burocratas e covardes, incapazes de criticar e elogiar cara a cara um profissional. Este sistema, copiado de outros países e recriado nas alfurjas do ministério, é mais um sinal de crise da educação. Mais do que dos sindicatos ou dos professores, a ministra Maria de Lurdes Rodrigues é vítima da 5 de Outubro. Sociólogo

Pelos professores
08.03.2008, Vasco Pulido Valente, Público
Hoje, 70.000 professores vêm a Lisboa protestar contra o Governo e a ministra da "Educação". Não posso simpatizar mais com eles. Mas não me parece que tenham percebido bem o fundo da questão: nem eles, nem a generalidade do público. Toda a gente parte do princípio que os professores devem ser avaliados; mesmo os próprios professores, que só criticam o método proposto pela 5 de Outubro. Ninguém ainda disse que os professores, pura e simplesmente, não devem ser avaliados, nem que a avaliação demonstra a (incurável?) deformidade do sistema de ensino. Em cada manifestação aparecem professores furiosos proclamando que não temem a avaliação. Acredito que sim. Infelizmente, não se trata disso.
Uma avaliação pressupõe critérios: parece que neste caso à volta de catorze (e pressupõe avaliadores, muitos dos quais sem qualquer competência científica ou pedagógica ou interesses de uma total irrelevância para a matéria em juízo). Os critérios medem, peço desculpa pelo truísmo, o que é mensurável como, por exemplo, a assiduidade ou notas de uma exactidão discutível, como perfeitamente sabe quem alguma vez deu notas. Não medem nem a "moral", nem o "ambiente", nem os valores da escola ou a contribuição de cada professor para a sobrevivência e a força dessa "moral", desse "ambiente" e desses valores. Numa palavra, não medem a qualidade, de que depende, em última análise, o sucesso ou o fracasso do acto de ensinar. Criam uma trapalhada burocrática que esteriliza e que massacra e acaba sempre por promover a mediocridade, o oportunismo e a rotina. A sra. Thatcher ia matando assim a universidade inglesa.
Os professores não precisam de uma vigilância vexatória e nociva por "avaliações". Precisam de um ethos, que estabeleça uma noção clara e unívoca de excelência. Se o ensino superior for de facto excelente (e não o travesti que por aí vegeta) e se tiver inteira liberdade de seleccionar alunos (como agora não tem), os professores ficarão com um objectivo, o de preparar as crianças para o ensino superior, que os distinguirá entre si, sem regras de espécie alguma; e que tornará o seu trabalho pessoalmente mais compensador, interessante e útil. Desde o princípio que o Estado democrático não compreendeu esta evidência. Começou as reformas por baixo e não por cima. Aturou sem vergonha os mercenários que exploravam a universidade. E de repente quer que os professores paguem a conta do desastre. Não é admissível.

ENSINO CENTRALISTA
João Miranda
investigador em biotecnologia
jmirandadn@gmail.com

Maria de Lurdes Rodrigues tem-se limitado a melhorar o actual sistema de ensino centralista. Criou regras que permitem aproveitar melhor os recursos humanos disponíveis e está a instituir um sistema de avaliação que introduz critérios de mérito na promoção dos professores. Estas mudanças permitem que o modelo centralizado de comando e controlo funcione melhor. Mas o modelo continua a ser o mesmo. Os membros do sistema são meros executores das políticas emanadas do ministério. Os professores obedecem às ordens dos conselhos executivos, os conselhos executivos obedecem às ordens das direcções regionais de educação e as direcções regionais obedecem aos altos dirigentes do ministério.
Este sistema centralizado encontra-se totalmente obsoleto. Um sector como o ensino precisa de agentes criativos e com iniciativa própria. Uma estrutura hierarquizada com 200 mil funcionários é demasiado pesada para reagir de forma adaptativa às mudanças. O sistema de ensino do futuro terá obrigatoriamente de ser composto por escolas com autonomia pedagógica e financeira. Essas escolas terão de ter total liberdade para escolher e avaliar professores, contratar directores e captar financiamentos. Maria de Lurdes Rodrigues fez muito pouco para preparar este futuro. Deu prioridade à reforma da carreira docente e da avaliação dos professores. Descurou a avaliação das escolas e a autonomia. Criou regras demasiado específicas para a avaliação dos professores. Teve uma boa ideia quando criou um novo patamar na carreira docente, o cargo de professor titular. Mas desbaratou a oportunidade de renovar o quadro de professores no topo da carreira ao preencher quase todas as vagas num único concurso usando como principal critério a antiguidade. Não é possível neste momento criar escolas autónomas. Essas escolas herdariam obrigações para com os seus funcionários e regulamentos de avaliação que lhes retirariam autonomia efectiva. O aparecimento de escolas verdadeiramente autónomas terá que ser precedido de uma nova reforma da carreira docente e do sistema de avaliação.