Andar na cidade como quem anda no campo


«Ao entardecer, debruçado pela janela,

E sabendo de soslaio que há campos em frente,

Leio até me arderem os olhos

O livro de Cesário Verde.

Que pena que tenho dele!

Ele era um camponês

Que andava preso em liberdade pela cidade.

mas o modo como olhava para as casas,

E o modo como reparava nas ruas,

E a maneira como dava pelas cousas,

É o de quem olha para árvores,

E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando

E anda a reparar nas flores que há pelos campos...

Por isso ele tinha aquela grande tristeza

Que ele nunca disse bem que tinha,

Mas andava na cidade como quem anda no campo

E triste como esmagar flores em livros

E pôr plantas em jarros... »

Alberto Caeiro




É sempre bom revisitar Fernando Pessoa...

Tantas vezes passamos e não vemos... Quantas vemos e não notamos...
É, de facto, urgente aprendermos a olhar!
De pequenas coisas se faz um dia.
De tantas se faz a vida..



Obrigado Cláudia

1 comentário:

Anónimo disse...

Quem tem de agradecer são os navegantes deste ‘Mar e Rio’ que transborda delicadeza, beleza, ‘simplicidade’…. É verdade que «De pequenas coisas se faz um dia e de tantas uma vida», mas eu acrescentaria que a essência da vida está na simplicidade dessas ‘pequenas coisas’…Talvez por ter nascido em África adquiri precocemente um ângulo de visão que vai além da ‘aparência do real’…Quanto a Fernando Pessoa é uma paixão antiga (não só Pessoa como outros poetas). Há uma biografia interessante: ‘Estranho Estrangeiro’, de Robert Bréchon, da Quetzal Editores.
Obrigada por este ‘Mar e Rio’ nos transportar em águas tão cristalinas…

Cláudia